Série Especial | Mês do Livro Infantil – Parte II
Dando continuidade da nossa série comemorativa ao Mês do Livro Infantil, apresentamos mais uma decisão emblemática que confirma a força da Constituição Federal em proteger aquilo que realmente importa: o acesso à educação, à cultura e ao desenvolvimento das crianças por meio da leitura.
Em 2015, uma distribuidora de livros infantis foi surpreendida por uma exigência fiscal da Receita Federal ao importar a coleção “Brincar, Aprender e Colorir”, composta por livros temáticos com desenhos de ônibus, supercarros e trens, todos voltados à estimulação cognitiva e motora infantil. As obras traziam pequenos textos, frases simples, imagens para colorir e atividades de completar, devendo ser classificadas na NCM 4901.99.00 — outros livros, brochuras e impressos semelhantes.
A Receita, no entanto, exigiu a reclassificação para a NCM 4903.00.00, que trata de álbuns para desenhar ou colorir, afastando a imunidade tributária constitucional concedida aos livros, além de causar despesas extraordinárias indevidas a distribuidora de livros.
Desta forma, diante da patente ilegalidade praticada pela Receita Federal, ingressamos com ação judicial, pleiteando a manutenção da classificação original e o reconhecimento da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal. A tutela antecipada foi deferida de imediato, determinando a liberação das mercadorias.
Na sentença definitiva, o juiz federal Adamastor Nicolau Turnes, da 2ª Vara Federal de Blumenau, fez questão de invocar o bordão “LIVRO É CULTURA” e declarou:
Se a finalidade da norma constitucional de isenção é a de facilitar o enriquecimento cultural e educacional (RE 174476), a ação estatal deve ser limitada por essa finalidade. O que se puder classificar como livro, observada a finalidade da norma, deve ser classificado como livro […].
E prosseguiu reiterando a fundamentação já proferida na decisão que examinou o pleito de antecipação dos efeitos da tutela de mérito:
Para a criança, a informação é processada na forma de imagens, desenhos e símbolos. O objetivo dos livros para colorir é atrair sua atenção, além de desenvolver o interesse pelo manuseio de livros […]
Ademais, a referida sentença foi objeto de apelação, contudo, ao ser submetida ao exame do Tribunal de segundo grau, foi mantida, por unanimidade, pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A relatora, Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, assim se manifestou:
Esta Corte tem adotado interpretação do artigo 2º da Lei 10.753/2003 conforme à Constituição (artigo 205), no sentido de ampliar o conceito de livro, de modo a permitir que sua concepção seja a mais ampla possível, a fim de fomentar o acesso, especialmente de crianças, e o manejo de documentos, folhas, manuais, álbuns, enfim, de qualquer instrumento que sirva de incentivo à leitura e ao aprendizado.
O acórdão também confirmou os termos da sentença proferida em primeiro grau, no sentido de determinar o ressarcimento à importadora das despesas com armazenagem e demurrage, bem como a condenação da União ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Mais do que uma vitória tributária, este é um caso que reafirma o compromisso do Judiciário com a proteção do acesso à leitura desde a infância. Em um país onde pesquisas indicam a queda no hábito de leitura entre crianças, cada decisão como essa representa um sopro de esperança para o futuro.
Na RSH, seguimos firmes na defesa da educação, da cultura e da interpretação constitucional coerente com os valores da cidadania. Porque livros não são mercadorias comuns — são instrumentos de acesso ao conhecimento e à compreensão do mundo.