Procedimentos de Fiscalização e Combate a Fraudes Aduaneiras: Uma Análise Crítica da IN 1986/2020

Procedimentos de Fiscalização e Combate a Fraudes Aduaneiras: Uma Análise Crítica da IN 1986/2020

A Instrução Normativa (IN) 1986/2020, editada pela Receita Federal do Brasil, estabeleceu novas diretrizes para os procedimentos de fiscalização e combate a fraudes aduaneiras.
Embora a intenção seja nobre, visando aumentar a transparência e a conformidade nas operações de comércio exterior, uma análise mais aprofundada revela diversas áreas nas quais essa normativa pode ser considerada excessivamente rigorosa e, em alguns aspectos, até mesmo prejudicial para as empresas.

Desde o excesso de prazo na conclusão das investigações, apreensão sumária de mercadorias, acúmulo de despesas aduaneiras atribuídas ao fiscalizado, até a aplicação de penalidades exorbitantes e desproporcionais, vemos necessidade de adequações, parcimônia e maior razoabilidade por parte da RFB, sendo certo que a própria legislação demanda aprimoramentos.

Desde o excesso de prazo na conclusão das investigações, apreensão sumária de mercadorias, acúmulo de despesas aduaneiras atribuídas ao fiscalizado, até a aplicação de penalidades exorbitantes e desproporcionais, vemos necessidade de adequações, parcimônia e maior razoabilidade por parte da RFB, sendo certo que a própria legislação demanda aprimoramentos.

Contexto e Importância A complexidade das operações de comércio exterior e a sofisticação das fraudes demandam uma regulamentação eficaz. No entanto, a implementação prática da IN 1986/2020 tem gerado controvérsias entre os operadores do setor. Como advogados especializados em direito aduaneiro, temos observado um aumento significativo nas dificuldades enfrentadas pelas empresas em se manterem em conformidade, resultando em uma série de desafios operacionais e financeiros.

Principais Críticas à IN 1986/2020

Excesso de Prazos e Burocracias: A normativa impõe uma carga burocrática excessiva às empresas, com uma quantidade enorme de documentação e procedimentos a serem seguidos. Esse excesso não apenas aumenta os custos operacionais, mas também gera atrasos significativos nas operações, impactando negativamente a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.

A legislação aduaneira e tributária precisar ser a mais objetiva possível, trazendo segurança e previsibilidade aos intervenientes do comércio exterior. Mas não é isso que se extrai da IN citada. A título de exemplo, citamos o art. 3º da aludida IN, pelo qual detectamos evidente subjetividade conferida ao Auditor Fiscal, quando prevê que “O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pela execução do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras poderá adotar, dentre outras que considerar necessárias, as seguintes providências, nos termos da legislação em vigor:”

Na prática, temos visto que expressões como “dentre outras” têm dado aos fiscais um leque de subjetividade, lhes oportunizando a prática de exigências fiscais das mais diversas, muitas vezes desnecessárias, tergiversantes ou impertinentes. Além disso, a prática nos demonstra que, por vezes, a autoridade fiscal efetua exigências “a conta gotas”, isto é, faz uma determinada exigência, que é cumprida, e após faz outra, que ao ser cumprida, faz outra, e assim por diante, perpetuando a fiscalização por prazos exorbitantes, sempre em prejuízo do importador.
Outro exemplo claro de excesso diz respeito ao prazo para a própria conclusão do procedimento. O art. 11 da IN dispõe que “ As mercadorias ficarão retidas pelo prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da ciência do respectivo Termo de Retenção, prorrogável por 60 (sessenta) dias em situações justificadas.”

Para além da expressão subjetiva “situações justificadas”, nas quais qualquer justificativa da autoridade acaba sendo aceita, o próprio prazo de 60 dias, prorrogável por igual período, se mostra absolutamente desarrazoado e desproporcional. Na prática, dado o hercúleo volume de importações e a escassez de fiscais, temos constatado que não raro as mercadorias ficam retiras por pelo menos 120 dias sem qualquer definição acerca da fiscalização e eventual liberação das mercadorias.

O prazo de 4 meses para a conclusão de uma fiscalização causa danos severos a todo e qualquer importador, podendo leva-lo até mesmo à ruína, seja porque sua mercadoria fica retida indefinidamente, seus estoques ficam zerados, contratos são descumpridos, além dos próprios encargos aduaneiros, com armazenagens e demurrage, cujos custos são diários e sabidamente excessivos.

Portanto, é preciso que haja maior objetividade nas previsões legais; que as exigências sejam concentradas em um único ato; e que os prazos fiscalizatórios sejam reduzidos a patamares mais razoáveis.

Penalidades Desproporcionais, Falta de Clareza e Previsibilidade: As penalidades previstas para infrações, muitas vezes, são desproporcionais em relação à gravidade das mesmas. Pequenos erros administrativos podem resultar em multas severas e outras sanções, o que acaba por penalizar desnecessariamente empresas que agem de boa-fé. Além disso, a IN 1986/2020 possui diversas disposições que são vagas e sujeitas a interpretações variadas. Essa falta de clareza cria insegurança jurídica, dificultando para as empresas preverem com exatidão quais são as exigências e como cumpri-las adequadamente.

Apenas para ilustrar, tomemos o art. 6º da IN, segundo o qual “O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pela execução do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras poderá reter as mercadorias importadas sempre que houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, observadas as disposições deste Capítulo”
Ocorre que, em nenhum momento, há previsão objetiva acerca do que efetivamente se caracteriza como fraude. Aqui novamente percebe-se que a legislação confere alto grau de subjetividade à Autoridade Fiscal, que pode inclusive considerar fraude a hipótese de “interposição fraudulenta presumida”.

Há, no entanto, evidente incongruência entre a presunção e a fraude, isso porque a fraude não se presume, precisa ser provada, e o ônus dessa prova é do fisco. Mais uma vez o importador se vê numa encruzilhada, diante da inexistência clara do que se caracteriza como fraude, o importador se vê numa encruzilhada, precisando produzir prova negativa, isto é, provar que não praticou fraude. Muitas vezes, mesmo após cumpridas todas as exigências fiscais, vemos a manutenção da aplicação de penalidades, sob o argumento vago de que o fisco pode até mesmo presumir a ocorrência da infração.

Ademais, a própria pena de perdimento deveria ser aplicada com maior parcimônia, em casos mais graves. Isso porque, na prática, uma empresa que apenas tenha preenchido um documento errado, ou que tenha utilizado recursos declarados de outra empresa do mesmo grupo econômico, ou antecipações de clientes, acabam recebendo rigorosamente a mesma penalidade daquela empresa que tenha efetivamente praticado fraude, como por exemplo realizado uma importação através de uma empresa laranja, sem recursos, criada exclusivamente com o propósito de ocultar o real importador. É preciso separar o joio do trigo, e estas mais variadas hipóteses deve(ria)m estar previstas objetivamente na legislação.

Há, ainda, inúmeras outras incongruências aparentes na IN, como por exemplo a possibilidade de liberar as mercadorias mediante garantia, na hipótese de retenção da carga (Art. 12. As mercadorias retidas nos termos deste Capítulo poderão ser desembaraçadas ou entregues antes do término do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras mediante prestação de garantia.), mas na impossibilidade de libera-las mediante garantia na hipótese de apreensão das mesmas (Art. 12 (…) § 8º As mercadorias não serão desembaraçadas ou entregues após o importador ter sido cientificado do respectivo Termo de Apreensão, mesmo que eventual garantia já tenha sido prestada.).

Isso porque, se a penalidade a ser eventualmente aplicada é rigorosamente a mesma (a pena de perdimento ou sua conversão em multa), não haveria sentido em permitir a liberação da primeira, mas não a segunda.
Impacto nas Pequenas e Médias Empresas: Enquanto grandes corporações possuem recursos para lidar com a complexidade adicional, pequenas e médias empresas são desproporcionalmente afetadas. A necessidade de contratar consultorias especializadas e o aumento dos custos operacionais podem inviabilizar a participação dessas empresas no comércio exterior.

Há casos em que o excesso de burocracia, de prazo, e o próprio excesso de fiscalização inviabilizam por completo a conclusão da importação. Há casos em que, mesmo afastadas as suspeitas que redundaram na abertura da fiscalização, ainda assim o importador acaba por abandonar as mercadorias apreendidas, dado que os outros custos operacionais superam o próprio conteúdo econômico do negócio que se visava realizar.

Uma alternativa possível seria prever expressamente, na IN acima mencionada, que desde a abertura do procedimento de combate às fraudes aduaneiras, todo e qualquer custo operacional (armazenagem, demurrage ou outros) passam imediatamente a ser custeados pelo Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, previsto no art. 803-A do Regulamento Aduaneiro. Assim, na hipótese de reversão ou afastamento das suspeitas de fraude, o importador se veria livre dos custos extraordinários gerados pela apreensão ilegal, oportunizando-lhe a continuidade do processo de importação sem ter que arcar com estes relevantes prejuízos.

Por fim, é cada vez mais comum os importadores buscarem o Poder Judiciário, seja para afastar estes flagrantes excessos, seja para buscar a justa indenização pelos prejuízos gerados em virtude dos abusos de fiscalização.

Possíveis Alternativas e Melhorias

  • Simplificação dos Procedimentos: Reduzir a burocracia e simplificar os procedimentos de fiscalização poderia tornar o processo mais eficiente, sem comprometer a integridade e a segurança das operações aduaneiras.
  • Proporcionalidade nas Penalidades: Revisar as penalidades para que sejam proporcionais à gravidade das infrações, diferenciando entre erros administrativos e fraudes intencionais.
  • Clareza e Transparência: Fornecer orientações mais claras e específicas para evitar interpretações ambíguas e garantir que as empresas entendam exatamente o que é esperado delas.
  • Suporte às Pequenas e Médias Empresas: Implementar programas de suporte e orientação para ajudar pequenas e médias empresas a se adequarem às novas exigências, promovendo um ambiente mais justo e competitivo

 

Conclusão

Embora a IN 1986/2020 tenha sido concebida com a intenção de aprimorar a fiscalização e combater fraudes aduaneiras, é crucial que a sua implementação leve em consideração os impactos práticos nas operações das empresas. Uma abordagem mais equilibrada e menos burocrática pode assegurar a conformidade sem prejudicar a competitividade do setor de comércio exterior brasileiro. Como especialistas em direito aduaneiro, continuaremos a advogar por melhorias e ajustes que tornem o sistema mais justo e eficiente para todos os envolvidos, buscando corrigir eventuais excessos, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial.